Seu corpo: onde você mora!

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Publicado em: www.portalplenamulher.com.br
Autor: Alessandro Loiola (médico e cirurgião geral)

Existem coisas que não se ensinam na escola. A gente tem que aprender apanhando mesmo. Um exemplo é a resposta à pergunta: onde você mora?
Pois aquilo que você se habitou a chamar de casa não passa de um abrigo rústico contra o sol e a chuva, um território familiar onde sua natureza animal se sente confortável para dormir, comer e procriar. Você não mora ali. Você mora em um lugar absolutamente mais fantástico e impressionante: você mora em seu corpo.
Independente de sua crença ou religião, enquanto estiver neste mundo, é dentro da sua carne que você existe. Não sei muito sobre almas, espíritos ou outros tipos de vertebrados gasosos, mas o pouco que sei sobre o corpo humano basta para me causar mais assombro que qualquer alucinação religiosa com tons de delírio esquizofrênico coletivo.
Você, este fabuloso produto biodegradável de engenharia quase 100% natural, passou seus primeiros 30 minutos de existência sendo uma única célula. A partir daí, desdobrou-se algumas dezenas de milhares de vezes para tornar-se um amontoado incrível de tecidos, enzimas, proteínas, sonhos e desejos.
Sustentada em uma pilha de 206 ossos, sua verdadeira casa funciona como uma usina de energia 24h por dia. O fígado, a grande caldeira produtora de combustível, executa simultaneamente mais de 500 funções diferentes. Apesar de ser o maior órgão sólido, ele não leva o título de maior órgão do corpo – este lugar no pódio é ocupado pela pele.
Em 1 cm quadrado de pele existem cerca de 50 glândulas sudoríparas, 1,5 m de vasos sanguineos, 2 milhões de células diversas e 650 células nervosas, que enviam e recebem informações do cérebro à espantosa velocidade de 270 Km/h.
A matéria-prima que mantém a casa funcionando vem dos alimentos, que são triturados pelos dentes e dissolvidos por ácidos poderosos um pouco mais abaixo. Por causa desses ácidos, o estômago precisa produzir uma nova camada de muco a cada duas semanas, ou irá digerir a si próprio.
Para manter o fogo da caldeira aceso, é preciso oxigênio, muito oxigênio – algo em torno de 10.000 litros por dia. Todo este oxigênio é capturado pelos mais de 300 milhões de capilares que existem nos pulmões. Unidos ponta a ponta, estes capilares se estenderiam de São Paulo a Maceió.
Uma vez aquecida, alimentada e amadurecida, sua casa recebe uma missão que nem mesmo o apartamento triplex da Ana Maria Braga seria capaz de executar: reproduzir-se.
O cérebro humano é capaz de armazenar mais de 5 vezes o volume de informação contido na Enciclopédia Britânica, e costuma funcionar com maior intensidade durante a madrugada, enquanto seleciona o que merece ou não ser processado e guardado pela memória. É provável que ele tenha um trabalho extra nas noites de reprodução. Porém, apesar de ocorrerem mais de 100 milhões de cópulas humanas todo dia, ninguém ainda se interessou em testar o desempenho da memória durante o coito.
Por falar em coito, a reprodução de casas, digo, de seres humanos, é um universo estranho e repleto de improbabilidades estatísticas. Em termos numéricos, ela não deveria acontecer.
Em 24h, os testículos produzem 120 milhões de espermatozóides. Interpretando este número de um ponto de vista ecologicamente sustentável, poder-se-ia dizer que o genocídio praticado por um adolescente no banheiro em 50 dias seria bastante para substituir toda a população do planeta. Felizmente, a adolescência é um período transitório e não existem banheiros suficientes.
Do outro lado da equação, os ovários femininos possuem quase meio milhão de óvulos, mas apenas uns 400 ou 500 felizardos serão liberados para terem a oportunidade de criar uma uma nova casa.
Então, considerando os 6 bilhões de seres humanos que existem por aqui, o número de espermatozóides produzidos diariamente por um indivíduo normal e a quantidade média de óvulos que uma mulher carrega, a chance de um determinado espermatozóide encontrar um determinado óvulo e resultar no nascimento de uma certa pessoa é de 1 para 54 quintiliões (ou 54 seguido de 30 zeros).
Entenda a proporção: a chance de você acertar na mega-sena jogando um cartão de 6 números é de 1 para 50 milhões (só 6 zerinhos, uma covardia). Grosso modo, nascer significa acertar sozinho na mega-sena pelo menos 5 vezes. Fácil, não?o final de todo este esforço complexo e praticamente incompreensível que representa o fenômeno da vida, produziremos uma nova geração de casas, novos pequenos milagres de nossa espécie, que provavelmente chegarão neste mundo sem saber muito bem de onde vieram ou para onde vão. Mas pelo menos agora você poderá lhes dizer com toda certeza onde irão morar.

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