Por: Dr. João
Félix Dias (Professor Ginecologia e Obstetrícia UFMT/Doutor pela USP)
O parto nos
primórdios era visto como um ato comandado pela vontade divina. A noção do
parto como ato controlado pela vontade humana é relativamente recente na
história da Medicina. A Obstetrícia nasce como disciplina científica na França,
nos séculos XVII e XVIII, tornando-se uma especialidade médica. Ainda no final
do século XIX uma grande proporção dos partos ocorria em ambientes domiciliares.
Em Cuiabá,
data de 1942
a fundação da Maternidade “Sociedade de Proteção à Maternidade e Infância de
Cuiabá”, um marco na assistência obstétrica em Mato Grosso. Desde então, a
assistência obstétrica por aqui vinha mantendo esse padrão: Uma sala de pré-parto
coletiva com número variável de pacientes, sem privacidade e separadas de seus
acompanhantes, padrão que ainda predominava até o final da última década nas
instituições que prestavam assistência à rede pública.
Com a
expansão da rede de hospitais privados observada nos anos 80 e 90, a saúde em
Cuiabá assume um caráter predominantemente privado, pelo crescente número de
clínicas e hospitais, bem como um ritmo lento de implantações de hospitais na
rede pública. Na rede privada o pré-parto foi abolido, visto o declínio do
parto normal nas estatísticas. Apesar dos avanços tecnológicos incorporados à
rede hospitalar não houve queda das intervenções médicas na assistência aos
nascimentos.
Desde então as
elevadas taxas de cesarianas na rede privada espelham a Obstetrícia
predominante. A crescente melhoria das
técnicas cirúrgicas, de esterilizações biológicas dos instrumentais cirúrgicos,
a evolução dos antibióticos e dos anestésicos e
das técnicas de anestesia, a acessibilidade da população à maioria dos centros
fez com que as taxas de intervenções médicas no nascimento evoluíssem para
níveis discrepantes dos observados em outras partes do mundo.
Foto: Zas Estúdio
Mesmo com as escolas médicas e de enfermagem,
a inauguração dos hospitais universitários, como o Júlio Muller nos anos 80 e outros, a
assistência ao nascimento não se fez seguir pelas mudanças nas estatísticas.
No início da
década passada o Ministério da Saúde tomou a iniciativa de estimular a
humanização do nascimento, sendo que no Brasil o índice de cesarianas é o mesmo
panorama observado em Cuiabá. Desde então o conceito de parto humanizado vem
sendo estimulado nas maternidades públicas e conveniadas.
As elevadas
taxas de cesariana nos nascimentos motivaram mudanças mais intervencionistas da
Agência Nacional de Saúde suplementar (ANS) na tentativa de melhorar os níveis discrepantes
em relação às taxas recomendadas pela OMS.
A resolução estabeleceu normas para estímulo do parto normal e a
consequente redução de cesarianas desnecessárias na saúde suplementar.
As novas
regras ampliaram o acesso à informação pelas consumidoras de planos de saúde,
que poderão solicitar às operadoras os percentuais de cesáreas e de partos
normais por hospitais e até por médico.
Outra mudança
trazida pela nova resolução é a obrigatoriedade das operadoras fornecerem o
cartão da gestante, de acordo com padrão definido pelo Ministério da Saúde, no
qual deverá constar o registro de todo o pré-natal. De posse desse cartão,
qualquer profissional
de saúde terá conhecimento de como se deu a gestação, facilitando um melhor
atendimento à mulher quando ela entrar em trabalho de parto.
As operadoras
de saúde terão que orientar para que os obstetras utilizem o partograma,
documento gráfico onde são feitos registros de tudo o que acontece durante o
trabalho de parto.
Bom para
quem?
As mudanças
preconizadas pela ANS atingem em cheio
um setor médico de sensível importância social. O nascimento é um momento
especial na vida do ser humano, aliás, dois seres, a mulher que está nascendo
como mãe e o bebê que nasce para esta vida. Incertezas, dúvidas e angústias, o nascimento sempre foi permeado pela
insegurança, era comum nas famílias do passado a presença de um ente vitimado
pelas intercorrências no parto. Após a
evolução da técnica médica e dos materiais e medicamentos, foi se estabelecendo
no meio social a cultura da cesárea. Com hora marcada e quase sempre desrespeitando
a natureza e a fisiologia do parto, quase um evento social.
A cesárea
movimenta um setor que abrange médicos,
hospitais, planos de saúde, indústrias de fios e instrumentais cirúrgicos, anestésicos e demais medicamentos
usados no tratamento pós operatório.
Assim como está estabelecida, a sociedade já se acostumou com os partos
agendados, as horas marcadas, as datas definidas, se estabelecendo o senso
comum de cobrar da gestante qual é a data do parto.
Autonomia do médico
A autonomia de
atuação do médico de forma a zelar pela vida e saúde do seu paciente permanece
intocada. Conforme o Código de Ética Médica, aos médicos são garantidos a autonomia e liberdade
profissional, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames
de sua consciência, salvo em situações de ausência de outro médico. A postura do médico deve ser respeitada, visto
estar amparado em normas do Código de Ética. O posicionamento do profissional fica
mais transparente com as normas adotadas. A paciente que no exercício de sua
autonomia optar pelo parto operatório terá suas garantias, assim como a mulher
que desejar passar pela prova do
trabalho de parto terá informações confiáveis do médico, do hospital e da ANS.
Autonomia da
paciente
O Código de
Ética Médica estimula a melhoria do
relacionamento do médico com o paciente e a garantia de maior autonomia à sua
vontade. A autonomia do paciente em
recusar o tratamento médico existe e é respeitado pelo código. É claro, significando uma quebra da relação médico
paciente. Neste caso específico, cabendo a gestante procurar uma segunda ou
terceira opinião. O Código de Ética Médica em sua evolução reforça a
autonomia do paciente e o esclarecimento de forma adequada sobre as condições e
todos os detalhes dos tratamentos propostos a ela. A decisão da paciente ou de seu representante
legal na escolha do tratamento médico, é garantida, salvo em situações de
iminente risco de morte, sendo vedado ao médico desrespeitar esse direito.
Pressão para
melhoria da rede assistencial
A medida
adota pela ANS visa diminuir as altas taxas de cesáreas desnecessárias na rede
suplementar, consequentemente a procura pelo parto normal será crescente. Um ponto sensível nesse panorama que se
desenha é a inadequação dos hospitais. A
estrutura física dos hospitais para atender o parto normal, no conceito do PPP
estabelecido pelo Ministério da Saúde desde 2001, é visível na rede suplementar. A necessidade
de melhoria das estruturas físicas das maternidades em Cuiabá é urgente. Essas
novas medidas, aliadas à demanda
crescente vão exercer pressão sobre a estrutura inadequada atual, forçando
mudanças para melhor.
O aspecto econômico
como instrumento de mudança cultural
Por fim o
ponto sensível para que a mudança ocorra é o financeiro. Os honorários médicos
e hospitalares terão que mudar para que essa nova cultura se estabeleça
hegemonicamente. Os custos hospitalares
e de honorários médicos devem aumentar por conta das novas estruturas a serem
criadas para atender os novos tempos.
O sucesso da
nova medida será resultado do envolvimento de todas as partes envolvidas, como
paciente, médico e hospitais.
Olá Dr. João Félix, eu estou fazendo uma pesquisa e gostaria de saber em que hospital/maternidade as mulheres eram encaminhadas nos anos de 1986 e 1987 em Cuiabá. Se puder me ajudar eu agradeço.
ResponderExcluirOlá. As maternidades conveniadas ao sus na época eram: Hospital Geral de Cuiabá, Hospital Santa Helena e Júlio Muller.
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